domingo, setembro 24, 2006

Em paz

Desmaiara na morte – essa teia. Não sentia existência física. Ao chegar essas impressões, depois de um longo intervalo, perguntamos em brasa “não é o perfume uma melodia da aparência?”. Estas sombras falam figuras de paz extraordinária, como se houvesse, exaustas, à minha memória, coisas do coração. E depois, a simples existência recai na tentativa do julgamento dos juízes. Deitado sobre a mão, úmido por alguns instantes, ousava abrir bruscamente o negror da noite. A atmosfera permanecia abafada à razão. Todavia, se ele estivesse morto, tal suposição é incompatível com a realidade. Em que estados morriam as noites? Teria que esperar o próximo sacrifício. Não era possível fugir das outras prisões. Tinha pavimento de pedras e não luz. O sangue recobrou os sentidos num movimento rápido. Os braços, loucos, em todas as direções. Nada. Tinha medo de esbarrar no suor dos próprios pensamentos. Estendi em todas as direções os muros da minha sepultura, certo de que as imagens não atendem aquele que nunca desmaiou.

(a partir de exercício em oficina de criação literária)

sexta-feira, setembro 08, 2006

O nascimento de uma nação

Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos. Todos.

Tínhamos saído de um área desabitada, onde a desolação era a vizinha em qualquer sombra mal feita de galhos secos. Depois de dez quilômetros de caminhada, avistamos a construção à frente. Era Uma casa enorme que parecia estar deserta. E realmente estava. Entramos, eu e os outros quatro. Ao me deparar com o interior bolorento, lembrei do tempo em que a água ainda era abundante. Lembrei do meu irmão mais jovem. No trajeto, ao morrer meu avô, chamara meu pai e lhe dissera: Morreu teu pai. Morreremos todos nós, aos poucos. Meu irmão era um pessimista miserável. Cheguei até a esquecer-me dele. Admirava os outros três. Não eram da família. Eram amigos mais resistentes e esperançosos. Eu ainda olhava uma teia de aranha junto ao teto, e eles já estavam revirando a casa toda em busca de água e talvez algo de comer. Fiquei sozinho com meu irmão. Ele sentou-se numa cadeira esfarrapada. De súbito, saquei meu revólver e atirei fatalmente em sua testa suada. Morreu com cara de dúvida e com sede. Os outros comemoraram no outro lado: tinham achado um tanque de água e um veículo velho. Não comentaram nada sobre a minha atitude. Tinham a mesma vontade. Tive a certeza. Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Meu tempo sempre foi perdido; o dinheiro nunca foi achado.

Encontramos uma cidade à frente. Uma cidade deserta. Passei a ser a glória nacional. Uma nação de quatro pessoas. Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos. Todos.



[jb]
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