quinta-feira, julho 01, 2010

Saramago decide morrer

Esse puto de Lanzarote. Esse velho gagá. Esse evangelista apócrifo. Esse jangadeiro avesso ao travessão. Que atravessou mares nunca dantes navegados (e que me odiará pelo uso do clichê estúpido). Esse quatro-olhos de torrar a paciência, de provocar o riso, o ódio, a fleuma, aquela mulher sem nome, seu José. Esse ditador que não dava ponto sem nó, e sem dó, sem mi nem fá, soltava a corda para o desgraçado do leitor se enforcar. E a corda, como a cobra, era cega. E fugia, e rugia, e amarrava o mundo num pé de elefante. Esse cabeça de fuinha da terra onde José é todos os nomes. Esse senhor de memórias subterrâneas. Esse sujeitinho que, dizem, flertava com o Cão e, ao mesmo tempo, tinha a bênção do Espírito-Que-Paira-Sobre-A-Água-Do-Aquário. Esse português revestido de pele de tartaruga nos deixou.

“Nos deixou” é um belo eufemismo, não é seu José? Que belo verbete nos deixastes. “Desta para uma melhor”. E, nós, nesta merda toda aqui. A ver navios, enquanto viaja o rei. Que bela sexta destes para as gentes. E, sábado, ninguém morreu: é sempre assim. Nas segundas é que esperamos notícias ruins. Não dá para ser otimista desse de jeito. Nem um quase-otimista, meu caro senhor. Custava ser infinito e absurdo como teus parágrafos dos diabos, e não “nos deixar”? Custava enrolar mais um pouco tua vidinha de pescador, assim como fazia com tuas estórias (igualmente de pescador), cheias de bifurcações, armadilhas e emaranhados? Custava, seu sovina? Serás crucificado agora. Serás o mártir da língua portuguesa. E saberão que também és filho de Deus, ó pobre diabo. E que morres, e que fedes, e que, sendo pó, voltarás ao pó do Ribatejo. À sombra de uma oliveira, é claro, mas isso pouco importa. Se à terra pertencias, ressuscitarás como o Cristo? Não. Como está escrito, Ao homem está ordenado morrer uma só vez.

Que espantosa notícia forjastes para por nos jornais. “Escritor português”, diziam. É preciso esclarecer, já que vivias encafurnado num pedaço de Lua. E os grunhidos que se multiplicaram no tuíter? Chegaram ao último degrau mesmo! “Morreu Saramago”, me avisou um outro José, também destas bandas. É claro que, se fosse “Morreu José”, que importava? José é o velho Joãozinho das histórias: é todo mundo e ninguém. Mas, não: era Saramago. Como assim Morreu Saramago? Morreu, aquele do Evangelho, do Nobel, aquele comunista, aquele boca-suja, aquele da Lua. Sério? Não pode ser! Pode, já tava velho também. Não, não pode! Morreu A-Puta-Que-Te-Pariu, seu José, com o perdão da palavra. Decidistes morrer, como decidistes abolir pontuações e outras tranqueiras. E tramastes tudo desde o começo. Diga, eu sei.

Esse senhor é um safado. E que corte bem feito de um safado! Querias o quê? Agradar ao papa, pagar os pecados? Confessa, vai. Ou melhor, escreva. Lerei tudo, prometo. E nós, para onde iremos? Ficamos numa situação lamentável, agora. Morreremos? Ponto. Parágrafo. Travessão. É o fim de todos nós! É? “Basta estar vivo”. Magoou. “Sara”. Estás de palhaçada, é? À toa.
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