sábado, abril 22, 2006

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pneumoultramicroscópicosilicovulcanocaniótico
recomeçouvindoutroseresememórialgasirenesaposilêncioum
ansiedadelásticatravessadaoutrordináriotorrinolaringologist
amanhãlmoçespereminhausentestradantevendoutrasaúdese
mergulharemariresistireincidênciaserãoperadasemedicamen
tosalvoutrapariçãondesperarásentadorganizandosemediocrid
adexamespeciaisemprestareignorandoseusentimentosemais.

O próximo, por favor.



[jb]

domingo, abril 16, 2006

mortes

Morreu Cíntia.
Morreu Penélope.
Morreu Aldo.
Morreu Bola, o cachorro.

Todos morreram num mesmo dia. Todos renderam notícias nos jornais. E comentários nos corredores da escola. A tv veio registrar o fato inédito. A rádio veio colher depoimentos. O dia foi tumultuado.

Dennis voltou sozinho para casa. Sozinho de amigos, de alegrias e de consolo. Ainda não acreditava que seus melhores amigos se foram sob o telhado de um mesmo dia, sob a sombra de diferentes circunstâncias. – dez anos para fazer, um dia para perdê-los.

Encontrou a casa vazia. Todos estavam na capela chorando os mortos. Não tinha leite nem pão. Mas Dennis também estava sem fome e sem sede. Tomou água para sentir-se vivo, digno de alguma necessidade. Foi para a sala e sentou-se no sofá. Fechou os olhos. Chorou.

Os outros chegaram. Viram Dennis no sofá. Resolveram não incomodá-lo em sua dor. Lica foi preparar café. Todos estavam desde cedo praticamente sem comer. Caio foi reler o jornal na expectativa de que alguma coisa estivesse errada, ou que uma nova notícia já estivesse escrita sobre aquela. Com surpresa, olhando para Dennis, que dormia, se indignou mais ainda por perceber que realmente nada mudara.

O café ficou pronto. Dennis acordou sobressaltado. – ainda é hoje? – sim, o hoje é sempre o dia mais longo da vida, disse Caio da cozinha, quase gritando. – então minha dor tem esse nome: hoje. Lica interfere, fazendo o convite: - sossega Dennis, venha tomar café.

– desculpe, mas vou ter que sair.
– aonde você vai? devia descansar. amanhã também será um dia difícil.
– vou visitar meus ontens. há muita vida por lá. talvez faça novos amigos.

No dia seguinte, ninguém morreu. Os jornais circularam normalmente. Dennis ainda não voltou. O ontem é uma prisão: teia de aranha.
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domingo, abril 02, 2006

Quem somos antes do amanhecer III

Ninguém passa por mim. Obrigo as pessoas a darem a volta no quarteirão. A passarem de largo, a metros de distância. Temem que eu desabe sobre elas e se atrasem para o trabalho. O medo faz da gente uns velhos que desconfiam até mesmo do vento parado na calçada. Admiro a criança que invade canteiros, pula cercas e arrebenta barragens. Mas crianças estão livres para brincar somente à tarde. Eu ponho limites a essas ruas. Domino os semáforos, as placas, os estacionamentos, os bares, as varandas. Determino entradas e saídas. Alvarás para o mundo. Eu divido a cidade e suas rotinas, suas éticas, suas perversões. Veja como é fácil manipular as pessoas: nada além de cimento, areia, tijolos e musgo. E um pouco de água pra não dizer que não sou flexível.

Dividindo a manhã: muro. Fronteira entre o ontem desprezível e o acordar pela metade. Como se divide o tempo em minutos, segundos e respirações, desunidos somos em sentir, pensar e agir, embora cabeça, tronco e membros estejam ligados por nervuras encadernadas à carne. Abandonei na madrugada insalubre a boa vontade de viver a vida como se ela requeresse isso de mim. Como se fosse um dever seguir a luz que se alumia atrás de montanhas brilhantes, condenando as trevas deixadas (senão feitas) por minhas mãos ainda sem furos, as mesmas que agora estão no bolso, mas que geralmente se ocupam de quebrar lâmpadas ou pagar passagens de ônibus. A minha perna direita convenceu a esquerda para atravessarem a rua, juntas. Penso que é preciso olhar para os dois lados antes de fazer isso. Numa esquina liquefeita em desacordos, raramente existem ruas, no máximo, atalhos para desfiladeiros sem curvas. Guardo ainda essa prudência: mantenho os olhos abertos desde que nasci.

Parede. Cortina. Divisória. Alambrado. Cerca. Lamenta-se muito ter que partir. Deixar o descompromisso para trás. Deixar o sonho, a fuga e a felicidade. Deixar a loucura, os gritos, os passos incoerentes, os pulos sobre os arames. Há um dia a ser feito em horas. Uma hora repetida oito vezes. Talvez a chance de acinzentar-se ao meio-dia seja pequena, ou um aglomerado de fogos mate qualquer aceitação. Talvez um cão ladra saudando minha presença, mas logo se lembrará que não tem o direito de opinar. Já esqueci das vivências anteriores a esta data. Até lembro dos espinhos nos pés, mas agora não sinto dor nenhuma. Dizem que possuía segredos engavetados atrás de risos infantis, mas nessa época ainda não era vivo. Uma vida é assim: fósforo e circunstância, e nada além das 06h30min.

Somos divisão. Acordamos em pedaços sem sincronia. Árvores negam-me a sombra, enquanto somos esquartejados. Os assassinos estão livres e almoçam comigo. Um homem que vive de madrugadas carrega o machado roubado. Uns juntam-se em camas. Outros dividem cômodos e salários. Eu desmonto-me na noite, esmiuçando e ajuntando pedras para estancar uma hemorragia chamada aurora.

[jb]
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