domingo, janeiro 15, 2006

Minhas Casas No Mundo

Sou um peregrino sobre a terra. Sou andarilho. Sou um ar desmotivado pelo vento. Sou um retângulo descalço. Não tenho teto, casa, abrigo, moradia, habitação, residência, refúgio ou qualquer outro caramujo desse tipo. Vivo sob o orvalho das auroras, na proteção precária do Universo, com os míseros recursos que ainda brotam nesse deserto. É o que tenho, além do sonho de morar numa estação ferroviária.

Depois do útero, já estive em diversos outros recônditos. Num inverno rigoroso, nas Malvinas, vivi dentro de um pneu abandonado, atrás duma oficina de tratores. A experiência de oito semanas foi terrível, principalmente após a chegada dos mosquitos. Hoje me pareço com um ferradura ou uma curva da Rio-Santos. Mas era a melhor cobertura da época, e os vizinhos não incomodavam. No verão seguinte, me mudei para uma floresta tropical ao sul de Caracas. Fiz da folha de uma amoreira meu aconchego por mês e meio. Era uma superfície instável, mas permanente. Vi repetirem-se as estrelas todas as noites e os amanheceres sempre beijando as águas de um rio sem curvas ao horizonte. Terrível era o barulho das motoserras.

Cansa dormir sempre na mesma posição. Migrei para Moçambique. Invadi uma teia recém tecida por uma dessas aranhas caseiras e estúpidas. Não fiquei muito tempo. Tive problemas de mobilidade e o pé de girassol que me sustentava curvou-se à enxada que o arrancara. Havia também muitos urubus na área, o que me desagradava sobremodo. Estive num celeiro a 300 km da capital de Ohio. Para ser mais exato, fiquei alojado sobre uma carroça de feno estacionada dentro desse celeiro. Tive intrigas com morcegos e logo abandonei o lugar. São assim, continuadamente, minhas rotinas: chego num lugar, fico por certo tempo e depois me retiro, sem satisfações nem culpas. Já morei dentro de uma garrafa de Coca-Cola. Bula de remédio foi meu cobertor na Argélia. Fiquei trinta dias descansando de uma viagem à Normandia sobre um pára-raios na capital norte-americana. Gostei de uma estadia curta nos sinos das muitas capelas em Roma, apesar dos pombos impertinentes.

Depois de muitos caminhares e sobrevôos, atualmente estou numa casinha de correios na rua Caximira, 541, em Lisboa. Tem bastante cartas por aqui. Faz duas semanas e o dono ainda não veio pegá-las. Talvez esteja viajando ou, de fato, não more ninguém na casa em frente. Deve ser uma pessoa importante. Tem cartas do Brasil, da cidade de Joaçaba, em Santa Catarina, e de Timóteo, em Minas Gerais. Há uma revista de moda da Escandinávia e um grosso envelope pardo remetido de Moscou. Desconheço tais lugares e espero visitá-los algum dia. A casinha aqui é confortável, mas logo estarei seguindo outro rumo. Sou um nômade insatisfeito com qualquer paragem.

Outro dia dormi a beira de um trilho. Pensei em seguir até encontrar a estação. Quando percebi, à frente, a bifurcação em vários ramais, desisti. Não gosto de fazer escolhas. Não sou exigente. Suspeito não existirem mais trens. Suspeito não existirem mais estações. Sigo pela rodovia não pavimentada.

4 comentários:

Anônimo disse...

quando eu era criança, eu sempre queria tanto morar na casa dos passarinhos dos desenhos...tudo tão pequenininho e arrumadinho e bonitinho, mas nunca morei numa destas, eu era só uma...menininha!
um beijo

Cláudio B. Carlos disse...

Oi!

Gostei do texto.


Abraços do CC.

Rubens da Cunha disse...

legal a casa nova,
o texto continua nos níveis da supresa e da filhaputice de sempre :) inveja...
rubens

Dinamene disse...

É mesmo isso que diz aí o Rubens.
JB, me manda aí seu mail. :)

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