domingo, janeiro 14, 2007

A Infantaria dos Dias

As tropas do Silêncio devem chegar amanhã cedo. Estamos há três semanas e meia com as palavras presas nas trincheiras. Só o que se ouve são insultos, provocações e lamentos. Coisas que os olhos e os tecidos do rosto sabem fazer muito bem. O posto de comando principal foi atingido durante o ataque surpresa do Tempo. Chegaram mais rápido do que supunhamos. Nos pegaram desprevenidos e não tivemos chance de nos defender. Não estávamos dormindo, embora fosse cinco horas da manhã. Inverno. Mas era como se estivessemos dopados, soldados sonâmbulos, bêbados, autoconfiantes, anestesiados pela soberba. O Tempo veio com seus pelotões de Dias, de Horas, de Semanas. Não podíamos esperar aquilo. Hoje sabemos que o Tempo é uma surpresa que devemos esperar a qualquer momento.

Havia um menino. Usava óculos: Morreu. Havia uma moça. Bonita e a gente não sabia o que aquela beleza formidável estava fazendo naquele lugar horrível: Morreu. Havia jovens e velhos. Havia um senhor que tinha um cão: Morreram. Havia um fábrica de papel. Havia um moinho. Havia um campo de cultivo: Haviam. Isso aumentou ainda mais o volume do nosso grito e agitação trêmula de nossas mãos. Passamos a depender dos dias e das noites após o ataque. Usávamos as madrugadas para chorar. Não havia lágrimas, é certo. Mas havia a Inconformidade, este outro líquido que também deforma a pele. Se antes andávamos curvados, agora o peso dos Dias nos faz rastejar. Somos cobras que uivam: Latência exata da derrota e da desonra: Éramos.

Amanhã nosso gritogemidogrunhido cessará. Seremos livres. E poderemos ficar despreocupados. Não haverá mais perigos. Cortaram nosss línguas, é verdade. Mas o olhos ainda enxergam. Daqui de cima as árvores parecem poucas. Não duvidamos que há muitas delas além do vale. E existe outras pessoas como nós. Outros sobreviventes. Deveremos aprender a partilhar o Silêncio a partir de agora. Seremos livres. O Tempo reina nesse país. Não lhe seremos escravos. Seremos da natureza das guerras: Inúteis. Soldados sem códigos, refugiados da Palavra em guetos atemporais.

Olhos mirando o Vale.

2 comentários:

douglas D. disse...

manhã ainda
outra
não mais a mesma.
abs.

Dinamene disse...

jb, você está mesmo de mortes, que é isso? sacode o pó!
abraços

Google