quinta-feira, dezembro 27, 2007

Hebdomática


Queria acordar com jazz todos os dias.


Deus sabe tocar gaita de boca. Tenho inveja dele.

Mi
Seria possível amar todas as pessoas se elas não fizessem barulho.


Você estava no útero e não se lembra do som dos passos de sua mãe.

Sol
Para toda nota sustenida há uma chuva bemol.


Por que música é Matemática e não Português?

Si
O silêncio é um zero de timbre grave.

[jb]

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Trópico de vidro

Tenho linhas nas mãos: me embaraço
Perdi a serenidade quando me olharam com a lâmina dos olhos
Foi quando chorei pela primeira vez
Minha mãe limpava a sala costumeiramente

Eu era uma regra côncava: espelho protegido das tempestades
Animava os gatos e os cachorros (bois pastavam)
Fazia cerol com os avisos
Os castigos inaugurais da minha passagem ao Norte
Meu flagelo: minha súplica
Acreditava – ainda – no ar puro, varanda com cadeira
Ter poucos conhecidos seria o melhor refúgio caso pudéssemos colocar a mesa lá fora

Ninguém me obedece
Na minha transparência, sirvo as conversas dos outros
Falta-me água: falotantoquantoprecisoandar
As roupas no varal não eram minhas
Trazia nas mãos apenas um suor
Suor feito de asfixia – preso a mim como âncora
Se me molho, deixo de ser fio. Fico novelo

Tenho uma habilidade com os olhos: vejo
Percebo a trapaça, a sujeira, a curva, alguém varrendo o chão
Nunca vi a rua pela janela da sala
Ainda posso rezar
Aprendam: a pior solidão é quando temos de orar sozinhos
Deixe sempre limpos os pratos para o jantar

Uma voz oxidada ao Sul: alfinete no ouvido
Não volto
À pele estilhaçada falta a película das tuas partes mais quentes
Sigo.

[jb]

quinta-feira, novembro 15, 2007

Da Complexidade

Tese de Doutorado de Platão (427 a.C.): A República.

Tese de Doutorado de Clayton (2007 d.C.): A Assimetria Foucaultiana entre Público e Privado nas Relações Político-Partidárias na História Recente da Democracia Republicana Brasileira: uma caricatura teórico-analítica sobre os paradigmas de discurso, ação, memória e linguagem na simbiose antropofágica entre poderes constituídos, movimentos reacionários e legislação federal para além dos conceitos da teoria marxista e da ideologia neoliberal pós-moderna.

sábado, outubro 27, 2007

Página 161

Recebi o desafio através desta Casa.

1ª) Pegar um livro próximo (não vale procurar);
2ª) Ir até a página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blogs.

E publico o resultado:

"O cara da esquina, nunca havia reparado nele ali, no outro lado da rua, seguindo-o com os olhos, na sombra do prédio da prefeitura."

In: Algumas Ficções. Antologia de Contos. Paraná: Editora De Leon, 2007.

Repasso o desafio mnemotécnico a Vanessa Bencz (menina-talento que tem textos publicados no referido livro), ao amante de Leminski, Calcinoni, a esta outra menina (de olhos meigos e escrita fina), ao Léo, e a dupla que, a quatro mãos, nos espetam em Cinco Espinhos.

[jb]

segunda-feira, outubro 22, 2007

A Monotonia do Fogo

O fogo só queima
e só.
O fogo só arde
e só.
O fogo só consome
e só.

O fogo não faz nada além do que deveria fazer

Em suas tripas fulgurantes
Encena o tédio
- maquinalmente engendrado
do cotidiano líquido-imperfeito

O fogo não tem autonomia. O fogo é perfeito
O fogo não faz nada além do que deveria fazer

Há fogo na brasa
Há fogo na cinza
Há fogo na fumaça
Há fogo onde há furor
chaleira fervendo café quente asfalto da praia lixo da cidade forno de pão crematório floresta seca laje de pedra maçarico motor turbina lixão chepa de cigarro paixão olhar assassino avião bomba vermelho sexo grito muro vulcão

Há fogo na cor dos teus olhos. O fogo não tem olhos.
O fogo não tem autonomia. O fogo é perfeito
O fogo não faz nada além do que deveria fazer

O fogo é um estranho
Um estranho gafanhoto
Gafanhoto que consome a lavoura
A lavoura do dia pela raiz
Pela raiz encravada na terra
Na terra encharcada pela água

O fogo sente fome. Ele precisa do que planto
Há fogo na cor dos teus olhos. O fogo não tem olhos.
O fogo não tem autonomia. O fogo é perfeito
O fogo não faz nada além do que deveria fazer

O fogo se cansa
de só queimar
de só arder
de só consumir
O fogo tem sede de líquidos
álcool, gasolina, querosene, óleo, mercúrio
E tem sede de sólidos
lenha, carvão, papel, tecido, osso, plástico

O fogo está preso na própria combustão
O fogo ateia-se ao próprio incêndio
O fogo queima por si só
O fogo arde por si só
O fogo consome por si só
E só

O fogo é um ingênuo. Só não sabe que depende de mim
O fogo sente fome. Ele precisa do que planto
Há fogo na cor dos teus olhos. O fogo não tem olhos.
O fogo não tem autonomia. O fogo é perfeito
O fogo não faz nada além do que deveria fazer

Meu olhar é um sopro.
Meu olhar é um vento.
Num rápido piscar, nasce o fogo.
Num rápido piscar, morre o fogo.
O fogo é cego: gafanhoto perfeito.

O fogo me chama
e só.
O fogo não faz nada além do que deveria fazer

[jb]

quarta-feira, outubro 03, 2007

π

Somadas ao fogo,
palavras equacionam o momento exato da combustão
- todo incêndio é a raiz quadrada da imprudência.

Silêncios não podem subtrair-se
caso contrário, ossificam a pele
- toda guerra é o quociente exato entre pensamento e voz.

Sinais margeiam as ruas
crescem em progressão geométrica
enquanto o homem se aninha em retângulos perfeitos
- a multiplicação dos dias ainda dá um valor negativo.

Simétrico é o inferno
fractal é o céu
Nas esquinas números com vírgulas querem ser frases.
- todos os algarismos nasceram de uma espiral

Sombras matemáticas engolem frações
a fome é uma dízima periódica
o desejo, uma sede emprestada
- qual o mínimo múltiplo comum de uma serpente?

[jb]

domingo, setembro 02, 2007

Prontuário

Ignorava a distância entre manhã e noite
Ignorava o fato de haver calendários
Ignorava a presença das pessoas no quarto
Ignorava a leitura de livros clássicos

Só percebia a árvore lá fora
A copa, os galhos, as folhas secas
Quantas estações se passaram?
Quantas promessas?
Quantas visitas?

Agonizava por uma incredulidade
Por que o jardineiro não vem mais limpar o jardim?
Os ciscos cobrem o chão
O musgo sobe a parede
Alguém, por favor, feche esta janela!

[jb]

segunda-feira, agosto 13, 2007

Na Central

Eles estão ali. Caminham, comem, bebem, encontram-se, descansam, vivem. Não estão nem aí para os demais. Despreocupados com horários, itinerários, chegadas, partidas ou atrasos, não se acotovelam com os outros na briga por um lugar ao assento. Não olham com raiva ou desespero para os motoristas. Desconhecem os fiscais, o que é fila, o que é tumulto, o que é aperto. O que é falta de educação. Transitam com a calma que lhes é pertinente no meio dos andantes frenéticos à espera do ônibus, a correr para o ônibus, a xingar o ônibus. Se fosse possível parar e olhar dentro de seus olhos, veríamos a própria quietude circunferenciando suas nuances ancestrais de serenidade sobre um mundo opaco e nervoso.

A poesia transparente em seus olhares definitivamente não pode ser encontrada nestes terminais, nestas indústrias, nestes comércios, nestes corpos humanos atravessados de rotinas e canseiras. Entre seres marrons e veículos amarelos, eles se mostram manchados de cores incompletas, carregando sobre si os mistérios da criação. Embora altivos, são humildes o suficiente para não terem medo do que lhe é exterior ou de seus semelhantes. Ignoram a velocidade dos carros e a indiferença dos observadores. A criança olha, ri, aponta o dedo, acha graça. A mãe logo a puxa para dentro do veículo. A criança chora e a mãe não sabe por quê. Os jovens tentam assustá-los. Aceitam a brincadeira sem nenhuma truculência. O velho os seduz com algumas pipocas, na esperança de alimentar nostalgias esquecidas. Eles aceitam a proposta, já que não têm muitas opções numa cidade feita de concreto, asfalto e fios elétricos.

As manhãs de sábado passam devagar para eles que compreenderam, desde sempre, que segundos, minutos e horas são apenas gritos da cacofonia diária do tempo vociferado em murmúrios e silêncios amargos. Eles não falam. Não precisam. Apenas sentem o mundo se movimentando sob os pés, enquanto caminham pela plataforma e comem pipoca. E voam: são feitos de liberdade.

domingo, julho 22, 2007

Sem travessia

Quando cheguei perto do vento, o mar me espiou. Sabia o quanto eu era curioso, mas desconhecia minha obstinação. Não me deixou andar na areia. Nem subir nas pedras verdes. Apenas molhei o pé.
E caí.
Quando a gente vira temporal, o mar já foi há muito furacão.

[jb]

domingo, julho 08, 2007

Monografando

Ao amigos e amigas que quiserem me acompanhar numa viagem sideral, sigam o link abaixo para embarcarem:
http://www.nebulosadobumerangue.blogspot.com/

[jb]

Meteorológica

Chove a palavra
sobre o altar de sacrifício
sobre o virgem papel
sobre a árvore sem raiz

Chove a palavra
e não é líquida, não
é granizo
é gelo
é ferrugem

Chove a palavra
no rosto mudo
na criança que pergunta
no velho descalço

Chove a palavra
inclinada e asséptica
em busca, apenas
de um telhado para cair.

[jb]

quinta-feira, junho 28, 2007

Restituição

Havia cheiro de mulher nova na casa
Riscos de giz no chão e escrituras na parede
Havia um mistério novo, sem dúvida
Algo além dos livros, dos bilhetes cifrados
Além da cozinha com hálito de café frio

Ele percebia: o sono é promessa de esquecimento
A única coisa a fazer é abrir todas as janelas
Todas as portas, consertar o telhado, cortar a grama
Imaginar: as fortalezas são maquetes de Sol
Nenhum brilho pode ser admirado sem ser confrontado

Ela era batalha
Guerra, trincheira, arame farpado
Seriam os sentimentos, muros: portões!
As convicções, medos: territórios!
A espera sempre foi um relógio atrasado em pulsos de gigantes.

Absorve a fragrância que o mar devolve.
Hoje.
Agora.

[jb]

domingo, junho 03, 2007

Hebdomática

Olhar
O bom do desejo é seus arredores.

Pensar
Cruzou a rua e fugiu do destino. Errou.

Agir
Seria inconveniente esconder os braços.

Tocar
Um simples carinho amassa algo mais do que a roupa.

Beijar
De que colisão estamos falando?

Sentir
Não chovia. Um vapor subia da terra e regava as plantas.

Continuar
Não presta olhar diretamente para o Sol.

[jb]

terça-feira, maio 29, 2007

Cachecol

Enrolado em fogo sonâmbulo
Tece a cortina do sono
E da embriaguez

Perdeu a quentura da fala
No ar sem estereótipos
Enrugado de tédios

Vaporiza toda sede
Sublima toda fome
Engole qualquer faísca ao redor.

[jb]

segunda-feira, maio 14, 2007

A fuga

S. estava num deserto. O vento soprava seco e agressivo. Os pés descalços estavam cobertos pela areia fofa. A mente ardia com o sol constante. E o pensamento longe, mas apreensivo. S. estava em fuga. Desde cedo caminhava e permanecia em contínuo estado de alerta. Seus perseguidores atentavam contra ele, e sabia que viriam atrás para atormentá-lo; fazer S. pagar por seus erros.

Já era tarde, talvez mais tarde do que S. pensava, e, num relance, ele percebeu um ruído. Era um barulho como de muitos soldados marchando, mas S. não sabia se eram soldados exatamente. Tinha quebrado muitas regras e seu cansaço não o deixava refletir profundamente nestas questões. À distância avistou a poeira que se levantava formando uma cortina de névoa, areia e fuligem. Os inimigos estavam próximos e S. precisava se apressar. Lembrou-se do carro que abandonara na auto-estrada; era velho, mas o conduziria com mais rapidez até seu destino desconhecido.

Enquanto a areia queimava os pés e o sol torrava a cabeça, S. entrou no milharal. Como seu tamanho era menor do que qualquer pé de milho, estaria seguro por mais alguns instantes e poderia pensar melhor na sua rota. Avançou vários metros adentro da plantação, embora cada passo fosse uma tortura. Subitamente, um estrondo terrível. S. percebeu muito próximo o ronco de motores e pneus se arrastando sobre o solo. Metais tilintavam e vozes davam ordens. A colheita maldita estava para começar.

S. correu alucinadamente. Por pouco as máquinas colhedeiras não o lançaram dentro do aparador e debulhador de grãos. Chegou ofegante até um muro. Era um muro incrível, feito somente de folhas secas sobrepostas umas sobre as outras. Ao simples sopro de S. o muro ruiu e as andorinhas que pousavam sobre ele, assustadas, voaram para o leste. À sua frente vislumbrou aquilo que parecia ser um depósito de ferro velho. Havia carros queimados, tanques de guerra, empilhadeiras, betoneiras, guindastes e navios fantasmas. Era um cemitério de parafernálias retorcidas e enferrujadas. Sobre um monte de carcaça do que seria um Dodge Dakota, avistou um sorridente abutre que, a julgar pela expressão, parecia estar se satisfazendo com a decomposição de uma carniça gorda e suculenta.

S. ignorou a mórbida ave e se apressou em encontrar um veículo em bom estado para fugir daquele lugar. Tinha deixado muitos rastros e, em breve, todos o encontrariam. Após pisar em poças de lama que ardiam como enxofre, S. chegou perto de uma cabana. A chaminé fumegando denunciava alguém em casa. Porém, poucos metros atrás, um alvoroço ensurdecedor: um bando de abutres dirigia velhas empilhadeiras e um enorme guindaste se locomovia como uma borboleta. As máquinas envenenadas avançaram rapidamente e S. teve dificuldade de se desvencilhar. Pensou em gritar para alguém naquela cabana, mas, sem muita opção, lançou-se em cima de uma carruagem carregava de feno. O movimento foi inútil. Erguido por uma das empilhadeiras, foi arremessado com violência para dentro de um barril de petróleo. O forte impacto fez o barril cair e rolar desfiladeiro abaixo, terminando por se despedaçar próximo da praia.

Viscoso e lubrificado, S. se levantou. Estava moído, mas se estivesse morto, certamente seria o banquete daquela noite para os miseráveis abutres. Seu amigo B.O., que estivera com ele desde o começo e S. não tinha percebido (S. sempre foi mesmo bastante desligado), o ajudou naquele momento. Comeram frutas e beberam água de um riacho próximo. S. pareceu recuperar as forças. Ao longe, seu olhar definiu uma estrada que serpenteava a montanha. Resolveu caminhar naquela direção. Pegou seu rifle e calçou botas. Seria uma jornada dura e perigosa.

Mal dera vinte passos quando ouviu o mesmo ruído que percebera quando estava no deserto. Os inimigos, espertos como eram, estavam vindo pela estrada. Pior ainda: estavam vindo também pelos ares. Instantaneamente, helicópteros surgiram nos céus como gafanhotos e começaram a atirar. S. ficou sem saída; estava numa praia deserta cercada por imensas dunas. B.O. se desesperou, pegou o jipe e fugiu, deixando seu parceiro. S., também em desespero, mergulhou no mar revolto. A água era salgada e ardeu as feridas abertas. A praia foi completamente destruída por mísseis e granadas. S., nas profundezas, conseguiu atingir a cerca. Pulou a porteira, atravessou o campo e, mesmo com as mãos enfaixadas, abriu a janela.

Como diria Hagar, “como são bonitas as montanhas brilhantes!”.

terça-feira, maio 01, 2007

Todos nós fomos feitos na mesma olaria

Quando a líquida lâmina do silêncio atravessa o salão
Desperta a voz cimentada da pele
E a membrana fosforescente do olhar
Os pés soluçam movimentos geométricos
E as mãos se escondem entre a parede e o corpo

Tapete é serpente; abajur, andorinha
Sofá, liberdade; mesa, compromisso

As ambições sublimam no teto
Enquanto a vontade desce sem pressa a escada
Fora ecoa uma música arenosa
Mas dentro o ouvido destila o som dos pulmões

Cama é congresso; janela, pedaço
Tijolos estão na garganta; águas, no mundo

Sim,
ela chegou.

[jb]

domingo, abril 15, 2007

Biruta

Bruna olhou para trás. Era o vento.

- Bruna!
Olhou para trás. Era o vento.

Bruna olhou:
- Para trás!
Era o vento.

Bruna... (olhou para trás – era o vento).

Bruna (olhou para trás) era o vento.

Bruna olhou:
- Para trás era o vento?

- Era o vento...
Bruna olhou para trás.

Brunaolhouparatráseraovento
Brunãolhoupáratráseráôvento

Bruna tra(z)era o vento. Olhou para (?)

Bruna olhou para tra(z)er. A(h), o vento.
A(h), o vento
A(h), o vento
A(h), o vento
Bruna-vento
una
una
una
ven
ven
ven

Bruna:
- Vento! Olhou.
- Para trás!
- Era?
O.

[jb]

sábado, março 31, 2007

Trilogia da Alegria Tardia

Vi TV e ri:
Não tenho nada pra fazer ou não posso fazer nada

Juntei os anexos e compilei:
Estava pronta minha dissertação de mestrado

Dormi no bar e sonhei:
Corvos eram amarelos e não devo me aposentar

[jb]

segunda-feira, março 05, 2007

Àgua do céu não é chuva

Naquele dia não havia territórios
apenas ar
arte
artifício
artimanha
artificialidade de parte alguma: um blue qualquer.

Olhava o céu
(sombra de futuro)
na cerca de manhãs-nuvens quadriculadas
enquanto o espírito do tempo
(cúmulo-nimbo de rpm's)
pairava na poça d'água
aguaceiro
aguardente
água-menina
água-rio-de-riacho-catarata: um H2O-vapor.

[jb]

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Telescópio

Ao nascer todos deveriam ganhar um telescópio. Abrir os olhos e ver logo. Ver longe. Ver de perto estrelas, astros, constelações, infinitos. Aos que vivem ao rés do chão, na atitude anfíbia de rastejar e respirar, respirar e rastejar toda a vida, não dá para imaginar que isso seja dignidade, seja natural. Ao nascer, todos olham para o teto, para o alto, mesmo ainda com os olhos fechados. Desde cedo, o primeiro desejo é voar, estar nas alturas, ver o céu, estar lá. A alma, antes do corpo, já busca andorinhas, solta pipas, viaja num aeroplano, faz guerra em naves espaciais. Mas os olhos abrem e esbarram no concreto. Rebatem no chão, no piso e acostumam-se a isso, por comodidade. Olham para baixo, cabisbaixo, perto, restrito, mínimo, desalmado. O peso da vida lhes chega cedo, um fardo invisível posto sobre os ombros de todos.

Talvez uma lupa, um binóculo, uma luneta. O ideal é o telescópio. Ver através da distância o longe. Marte, Júpiter, Plutão (o ex-planeta), outros sóis, andrômedas, luares de outras luas, olhos siderais. Tudo muito além do véu azul dessa Terra. Perto das retinas telescópicas. Ninguém mais quer saber de ver assim, observar o Universo em seus movimentos não-televisivos. Os meninos não empinam mais suas pandorgas, as meninas não namoram mais ao luar, o homem, depois da turbina, desistiu de ser pássaro, e a mulher, depois do tear, deixou de ser Vênus. As pessoas têm medo de avião. Aviões caem.

Esqueça televisão, rádio, internet, telefone, celular e outras maquinarias modernas. Elas passarão. O telescópio não há de passar. Ele está além do céu, da terra e da gravidade. Olhar pelo telescópio é viajar numa nave, navegar num espaço atemporal, sentir o Firmamento encostar na retina, sentir o silêncio repousar na alma, perceber Deus movendo os astros com suas mãos, num arranjo perfeito, harmônico, quase invisível. É se sentir parte da memória do Tempo e do Universo, dominando, por um instante, por um olhar, os sincronismos celestes: cúmplice da engenharia divina. É se sentir separado do chão, num flutuar cósmico: galáctico. Sentir-se cometa. Talvez meteoro, talvez satélite, talvez sol. O próprio Deus?

O telescópio torna o homem tão infinito, tão misterioso quanto o que observa. Imortal? Quem sabe? Perdeu-se o caminho, a visão, o olhar máximo. Os míopes cavam buracos no chão.

[jb]

domingo, janeiro 14, 2007

A Infantaria dos Dias

As tropas do Silêncio devem chegar amanhã cedo. Estamos há três semanas e meia com as palavras presas nas trincheiras. Só o que se ouve são insultos, provocações e lamentos. Coisas que os olhos e os tecidos do rosto sabem fazer muito bem. O posto de comando principal foi atingido durante o ataque surpresa do Tempo. Chegaram mais rápido do que supunhamos. Nos pegaram desprevenidos e não tivemos chance de nos defender. Não estávamos dormindo, embora fosse cinco horas da manhã. Inverno. Mas era como se estivessemos dopados, soldados sonâmbulos, bêbados, autoconfiantes, anestesiados pela soberba. O Tempo veio com seus pelotões de Dias, de Horas, de Semanas. Não podíamos esperar aquilo. Hoje sabemos que o Tempo é uma surpresa que devemos esperar a qualquer momento.

Havia um menino. Usava óculos: Morreu. Havia uma moça. Bonita e a gente não sabia o que aquela beleza formidável estava fazendo naquele lugar horrível: Morreu. Havia jovens e velhos. Havia um senhor que tinha um cão: Morreram. Havia um fábrica de papel. Havia um moinho. Havia um campo de cultivo: Haviam. Isso aumentou ainda mais o volume do nosso grito e agitação trêmula de nossas mãos. Passamos a depender dos dias e das noites após o ataque. Usávamos as madrugadas para chorar. Não havia lágrimas, é certo. Mas havia a Inconformidade, este outro líquido que também deforma a pele. Se antes andávamos curvados, agora o peso dos Dias nos faz rastejar. Somos cobras que uivam: Latência exata da derrota e da desonra: Éramos.

Amanhã nosso gritogemidogrunhido cessará. Seremos livres. E poderemos ficar despreocupados. Não haverá mais perigos. Cortaram nosss línguas, é verdade. Mas o olhos ainda enxergam. Daqui de cima as árvores parecem poucas. Não duvidamos que há muitas delas além do vale. E existe outras pessoas como nós. Outros sobreviventes. Deveremos aprender a partilhar o Silêncio a partir de agora. Seremos livres. O Tempo reina nesse país. Não lhe seremos escravos. Seremos da natureza das guerras: Inúteis. Soldados sem códigos, refugiados da Palavra em guetos atemporais.

Olhos mirando o Vale.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Trajeto

O MEDO SOBE A PAREDE
PARE
ARRE MEDO SOBE
ARREMEDO SOBRE
A REDE
A MESA
APARA
O MEDO DESCE
U MEDESCE
SEPARA
SE
O
MEDOSOBREAPAREDEPARAOMEDO
E PARA
E MEDE
O MEDO
E SOBE
SE
PARA


[jb]
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