segunda-feira, agosto 13, 2007

Na Central

Eles estão ali. Caminham, comem, bebem, encontram-se, descansam, vivem. Não estão nem aí para os demais. Despreocupados com horários, itinerários, chegadas, partidas ou atrasos, não se acotovelam com os outros na briga por um lugar ao assento. Não olham com raiva ou desespero para os motoristas. Desconhecem os fiscais, o que é fila, o que é tumulto, o que é aperto. O que é falta de educação. Transitam com a calma que lhes é pertinente no meio dos andantes frenéticos à espera do ônibus, a correr para o ônibus, a xingar o ônibus. Se fosse possível parar e olhar dentro de seus olhos, veríamos a própria quietude circunferenciando suas nuances ancestrais de serenidade sobre um mundo opaco e nervoso.

A poesia transparente em seus olhares definitivamente não pode ser encontrada nestes terminais, nestas indústrias, nestes comércios, nestes corpos humanos atravessados de rotinas e canseiras. Entre seres marrons e veículos amarelos, eles se mostram manchados de cores incompletas, carregando sobre si os mistérios da criação. Embora altivos, são humildes o suficiente para não terem medo do que lhe é exterior ou de seus semelhantes. Ignoram a velocidade dos carros e a indiferença dos observadores. A criança olha, ri, aponta o dedo, acha graça. A mãe logo a puxa para dentro do veículo. A criança chora e a mãe não sabe por quê. Os jovens tentam assustá-los. Aceitam a brincadeira sem nenhuma truculência. O velho os seduz com algumas pipocas, na esperança de alimentar nostalgias esquecidas. Eles aceitam a proposta, já que não têm muitas opções numa cidade feita de concreto, asfalto e fios elétricos.

As manhãs de sábado passam devagar para eles que compreenderam, desde sempre, que segundos, minutos e horas são apenas gritos da cacofonia diária do tempo vociferado em murmúrios e silêncios amargos. Eles não falam. Não precisam. Apenas sentem o mundo se movimentando sob os pés, enquanto caminham pela plataforma e comem pipoca. E voam: são feitos de liberdade.

3 comentários:

Fran Hellmann disse...

Senti como se você visse através dos olhos deles...

Transmite a paz e a inquietude do poeta.

Beijo

Anônimo disse...

penso que queria ser eles e talvez, justamente por pensar... eu nunca venha a ser...
beijo

Rubens da Cunha disse...

delicado, intenso.
gostei muito
abraços

Google