terça-feira, junho 13, 2006

Retorno de K.

Um dia o retorno acontece. Quando os silêncios já não são mais necessários e todos os ressentimentos não são nada diante da urgência em dissimular a vida. Nada a perder depois de vinte anos sem ser reconhecida pelo simples fato de existir, de poder colocar o pés brancos numa sandália e caminhar na rua sem pó. Os olhos azuis, os cabelos loiros, o corpo esquálido mas sensual, o sorriso que deixa a gente sem graça, o vocabulário dos braços que insiste em dizer palavras novas. Nada disso é importante após os filhos crescerem e rejeitaram a salada de beterraba. Após os anos se converterem em pedras e convencerem os homens que o tempo não cabe numa ampulheta.

K. voltou. Terminou o contrato com os inquilinos. Habitará novamente a velha casa abandonada cinco anos atrás, quando era só ela e seus sonhos nesse mundo. Volta agora com marido e filhos e com uma solidão arranjada no caminho. Sim, acompanha-a uma solidão toda dela, uma solidão masculina e mais duas solidões que crescem à revelia das outras duas.

K. surpreendeu-se com a casa. Tudo estava tão organizado, firme e limpo como à época da partida. Paredes, cômodos, jardim, teto, janelas. Parece que a casa não sofrera nenhuma interferência do tempo e do descuido dos homens, ao contrário dela. K. ficou feliz pela casa. Era uma felicidade boa, uma quase-esperança.

Arrumou as bugigangas da mudança com certo ânimo. Sorriu para um dos filhos quando percebeu que os pratos, novos, não quebraram com as truculências da viagem. À noite, antes de dormir, beijou a boca sem gosto do marido, e virou os olhos para a parede. Estava cansada. Disposta a ouvir somente as coisas concretas.

Desde que casou, só acredita naquilo que pode tocar com as mãos.

8 comentários:

Anônimo disse...

me lembrou um conto de Clarice... e me lembrou também uanto receio eu tenho em me prender nestas prisões voluntárias...
beijo

Claudio Eugenio Luz disse...

Eita, que essa história é terrivelmente reveladora do peso que cai sobre os ombros - mesmo após realizar tudo certo.

hábraços

isabel mendes ferreira disse...

O TEXTO DE QUEM SABE MUITO BEM ABRIR O GESTO....:)

OBRIGADA.

GOSTO DE VIR AQUI...


ABRAÇO- FORTE! DAQUI.

isabel mendes ferreira disse...

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Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) disse...

LA SOLEDAD SUELE ACOSAR AVANZANDO EL TIEMPO, CUANDO LA COMPAÑÍA ES EXCESIVA, LA PALABRA ESCASA Y LAS MIRADAS HUYEN.

Gracias por sus palabras.

douglas D. disse...

é a dormência dos sonhos...
abs!

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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