sexta-feira, setembro 08, 2006

O nascimento de uma nação

Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos. Todos.

Tínhamos saído de um área desabitada, onde a desolação era a vizinha em qualquer sombra mal feita de galhos secos. Depois de dez quilômetros de caminhada, avistamos a construção à frente. Era Uma casa enorme que parecia estar deserta. E realmente estava. Entramos, eu e os outros quatro. Ao me deparar com o interior bolorento, lembrei do tempo em que a água ainda era abundante. Lembrei do meu irmão mais jovem. No trajeto, ao morrer meu avô, chamara meu pai e lhe dissera: Morreu teu pai. Morreremos todos nós, aos poucos. Meu irmão era um pessimista miserável. Cheguei até a esquecer-me dele. Admirava os outros três. Não eram da família. Eram amigos mais resistentes e esperançosos. Eu ainda olhava uma teia de aranha junto ao teto, e eles já estavam revirando a casa toda em busca de água e talvez algo de comer. Fiquei sozinho com meu irmão. Ele sentou-se numa cadeira esfarrapada. De súbito, saquei meu revólver e atirei fatalmente em sua testa suada. Morreu com cara de dúvida e com sede. Os outros comemoraram no outro lado: tinham achado um tanque de água e um veículo velho. Não comentaram nada sobre a minha atitude. Tinham a mesma vontade. Tive a certeza. Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Meu tempo sempre foi perdido; o dinheiro nunca foi achado.

Encontramos uma cidade à frente. Uma cidade deserta. Passei a ser a glória nacional. Uma nação de quatro pessoas. Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos. Todos.



[jb]

3 comentários:

Anônimo disse...

um coração batendo forte...foi o que senti...aqui em mim...
que história será esta... me pergunto
um beijo

Zé Eduardo Calcinoni disse...

Caríssimo JB:

Isso faz-me lembrar(no sentido de comparação) do filme "Clube da Luta". A auto-destruição - perda de contacto com a realidade, causando um disfuncionamento social crónico, preferindo prosseguir com o personagem que sempre quis ser.

Zeh Duardo Calcinoni

Rubens da Cunha disse...

gostei deste teu lado mad max poético. dava uma série :)
abraços
Rubens

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