domingo, fevereiro 17, 2008

Procuro um amor que me ensine a jogar cartas

Me embaralho no amor. Não aprendi a arquitetura dos naipes que, em seqüências, pares, ordens e conjuntos, metaforizam as coisas do coração. Não entendo de reis, rainhas, duques e damas. Eu sou plebeu e, pretensioso, procuro uma princesa, mesmo sem castelo, mesmo sem reino. Apenas com a capacidade de me ensinar os jogos palacianos. Eu estou disposto: sou paciente.

Não sei das regras. Acho até que tenho o curinga nas mãos mas não sei utilizá-lo. Por que não ensinam isso nas escolas? Minha professora de Física jogava truco durante as aulas. Eu, querendo entender apenas o mundo das partículas, perdi a oportunidade. Antes fosse uma disciplina regular: Truco. Ficava apenas como observador e comentarista de algo que não tinha a menor lógica para mim. Foi divertido, ao menos, mas não aprendi direito nem uma coisa nem outra.

O baralho é um mosaico de enigmas. Eu sei o que cada um representa isoladamente. Os problemas são as combinações, os critérios, as misturas, as exceções às regras. Daí eu me perco, desentendo: são muitos jogos possíveis com as mesmas cartas. Eu não gosto de fazer escolhas. Daí eu tranco o jogo. Sou punido. O Amor não me convida para jogar. Fico no backstage. Quando retorno, me exponho ao ridículo. Dou a entender que tenho cartas na manga e, por isso, muitos me respeitam. A qualquer momento eu posso decifrar a matemática aleatória das cartas e conhecer o privilégio de amar sem segredos. Minha malandragem, porém, ainda é muito primitiva. Sou um amador, reconheço, um aprendiz, um neófito, um discípulo, um aspirante à Corte. Em outras palavras, um fraco. Alguém pode abrir os portões para mim?

Cresci nas vizinhanças de um bar. Ali, nas vizinhanças, fiz amigos e amigas. Aprendi a andar de bicicleta. Briguei, brinquei e trabalhei. Ali, no bar, aprendi a jogar dominó, bocha, jogos de tabuleiro, sinuca, pimbolim, videogame. Aprendi até a cantar, ao som de um violão, numa roda de bêbados emergentes. Ali experimentei cigarro, e não gostei. Cerveja, idem. Drogas, nem morto. Por aquelas redondezas encontrei as primeiras loiras da minha vida. (A primeira a gente nunca esquece!). Mesmo neste ambiente propício ao vício, eu jogava entre o puro e o profano. E, mostrando minhas cartas, perdia facilmente. Nunca fiz um Royal Straight Flush (se é que me entendem), nem no amor, nem na vida e, é claro, nem muito menos no pôquer. O que não tenho é muito valioso para correr o risco de perder...

Não adquiri o espírito malandro dos bons e velhos jogadores, forjado nos recônditos esfumaçados dos bares, macerado pelo gosto vulgar das bebidas baratas e estigmatizado em palavras ofensivas. Eu pago caro, mas não aceito o lixo. O amor não é banal. O sexo não é banal. A mulher não é banal. Está aí uma trindade sagrada (me perdoem o pleonasmo). Ou seria um trinca? (O trocadilho foi bom, admita!). Sou exigente e por isso estou só. Eu jogo respeitando tanto o adversário que desejo que ele vença. Este é um princípio que deveria abandonar. Na verdade, não jogo: faço anti-jogo. Jogar não admite solidariedade. Jogar é uma trapaça, um engano, uma engenharia de contravenções estamentadas pela obsessão. Deus, inventor do Amor, jogava cartas muito bem.

Procuro um amor que me ensine a jogar cartas. Não estou blefando. Não estou pifado. As cartas estão na mesa. O espírito, desarmado. A boca, seca.
Espero ter azar. – Azar no jogo.

[jb]

5 comentários:

Anônimo disse...

Quero te dar sorte na vida, sem apostas só certezas...jogar é a distração dos amargurados que por não terem fé na vida vivem embaralhados pelo destino.

Anônimo disse...

Quero ser tua folha em branco!

Paulinha disse...

impossível não lembrar:

" sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?"

P. Leminski

...e os iguais se reconhecem...

Fran Hellmann disse...

Apaixonante.
Impossível ser mais você.

Beijo

Zé Eduardo Calcinoni disse...

Para ganhar no jogo é preciso antes de tudo perder. Depois de perder o "risco" é fundamental.
A vida é uma aposta. As rodadas estão aí, entre em umas delas. Arrisque-se, poetaço! Tire suas cartas da manga. E se acaso precise, dê um "facão". Apesar de se considerar "anti", algo lhe atrai claramente.

Embaralhe-se! Arrisque-se!

Em últimos casos recorra ao mundo das partículas.

Zé Calcinoni

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