quinta-feira, setembro 03, 2009

Onze palavras

Ele sobe a escada como se turista fosse. Em cada degrau para e observa. A lagoa com frio, a montanha sonolenta, uns guris ao longe jogando bola. Abaixo, pessoas se apinhando ao pé da torre.

Era um domingo. Bom dia para terminar coisas atrasadas. Beto chegou cedo, quando ainda não havia ninguém no parque. Esperaria até o meio dia. Daria tempo aos jornalistas para fazerem a matéria completa amanhã. Beto conversou com várias pessoas. Até com crianças. Não tinha muito jeito com elas. Falava bem mesmo era com as mulheres.

Ele era da própria cidade. Nunca fora no parque, no entanto. Sentia-se como estrangeiro. Era o único ali sem máquina fotográfica. A torre até que não era alta. Um pouco mais que cinquenta degraus metálicos. Do alto do penúltimo degrau, quando já era possível ver a rodovia que risca a serra do mar, ele percebeu em sua curiosidade rara um homem conversando ao ouvido com uma mulher. Namoro na torre?

Era o dia de Beto. Domingo. E ele não iria embora sozinho. Pensou numa criança que pulava sobre a plataforma o tempo todo. Incomodava. Mas quando viu a mulherzinha, não teve dúvidas. Era ela. Beto se aproximou. Falou palavras. Onze. Baixinho.

A curiosidade de turista o chamava para o outro lado. O da praia. Um passo acima e poderia contemplar a cidade com olhos panorâmicos. Já na plataforma, ele pode ver que a rodovia na montanha é como uma cachoeira listrada. Daria bom quadro para um pintor medíocre. Lembrou-se do homem e da mulher. Olhou. Haviam descido. Sem passar por ele.

Os jornais deram a notícia com riqueza de detalhes na segunda. Beto saiu na capa. Ela não, só o nome. E a transcrição de um bilhete com palavras. Onze.

Ele demorou lá em cima. Nem percebeu o alvoroço lá em baixo. Ficara deslumbrado ao ver a cidade de um modo nunca visto. Ele morava ali havia 35 anos. Quando desceu já passava do meio dia. O parque estava tranquilo. Famílias faziam piquenique nos gramados. Foi uma tarde feliz. Coisa que não sai no jornal. Pena que ele não é de se interessar pelo que acontece na cidade. Não lê jornal.

3 comentários:

Anônimo disse...

Beto? Seria Beto Gebaili?

douglas D. disse...

"dias a fio" e "urbana ave"...muito, muito bons!

ítalo puccini disse...

mesmo assim diz onze palavras.

adorei, jb!

abraço!

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