quinta-feira, setembro 24, 2009

Tarrafa

Viera de cidade mais pequena. Ele, filho único de sexo masculino numa família açoriana. Homem miúdo. Alma tranquila. Mente só para o trabalho. Desde os sete trabalhava no mercadinho da rua central. Ajudava os pais pesqueiros. Pensava em ser médico. As irmãs, duas irmãs mais velhas, uma dois e outra três anos a mais que ele, eram atendentes na loja de armarinhos. Nos fins de semana, costuravam roupinhas de bebê. Pensavam, as duas, em casar logo.

A vida não era fácil, todos sabem. Nunca foi para ninguém. Nascer homem é sempre melhor num mundo desses. Ele se lembra de uma conversa entre o pai e a mãe quando tinha lá seus dez anos.

– Ainda bem que temos ele. Já imaginou três mulheres em casa! Seria muita incomodação.
– Mas ele com esses sonhos de médico ainda vai dar trabalho. Sei lá. Ainda é cedo. Talvez mude de ideia. Algo próximo da gente. Menos barqueiro.
– Não sei. Ele sempre fala nisso. Desde que viu aquela revista. Até pediu a revista para o homem. Está lá guardada na gaveta.
– E a Gabriela sempre chegando depois do horário. Ah, menina...

Estava chegando da escola, quando pescou o diálogo. Levava jeito.

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